Início Natureza Pesquisadores da UFSCar ajudam a desvendar a evolução da vida na Terra

Pesquisadores da UFSCar ajudam a desvendar a evolução da vida na Terra

917
0
COMPARTILHAR

Artigo publicado recentemente equaciona questão fundamental para o estudo de importantes fósseis brasileiros

O Membro Crato da Formação Santana é um dos mais importantes sítios paleontológicos do mundo, integrando a Bacia Sedimentar do Araripe, principalmente no Estado do Ceará. Lá está um dos depósitos paleontológicos mais diversos do período do Cretáceo Inferior (há cerca de 120 milhões de anos), com fósseis excepcionalmente bem preservados, cujo estudo oferece vislumbres únicos da biologia e das condições ambientais existentes em um momento crucial da história da vida na Terra. Dentre esses fósseis, há exemplares de peixes com tecidos moles preservados – incluindo músculos e olhos, dentre outros -, algo bastante raro, e que oferece informação geralmente perdida durante o processo de fossilização.

Até pouco tempo atrás, a tafonomia desses fósseis – tudo que acontece entre a morte e a preservação do organismo até sua descoberta pelos pesquisadores – era relativamente misteriosa. Porém, um artigo publicado recentemente por pesquisadores da UFSCar no periódico Scientific Reports, do grupo Nature (disponível em https://www.nature.com/articles/s41598-017-01563-0), desvenda esse mistério, corroborando um modelo mundial de fossilização que, antes, se imaginava existir apenas em um outro sítio paleontológico na China, muito mais antigo que o Membro Crato (com mais de 500 milhões de anos).

No conjunto de fósseis encontrados no Membro Crato, a espécie mais abundante dentre os peixes é a Dastilbe crandalli. Em sua pesquisa de mestrado, realizada no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), Gabriel Ladeira Osés percebeu que esses peixes estavam preservados em dois tipos diferentes de rocha, um mais escuro e outro mais claro. Estudos anteriores interpretam essas diferenças na forma de preservação como resultado do intemperismo; no entanto, as análises realizadas por Osés confirmaram uma outra hipótese: a de que os peixes passaram por diferentes caminhos de preservação devido a variações no ambiente e nos tipos de sedimento presentes quando a fossilização começou a acontecer. Durante o mestrado, Osés foi orientado por Setembrino Petri, da USP, em colaboração com Mírian Liza Alves Forancelli Pacheco, docente do Departamento de Biologia (DBio) da UFSCar, Campus Sorocaba, hoje sua orientadora no doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais (PPGERN) da UFSCar.

As análises realizadas mostraram que, nas rochas mais claras (beges), o processo de preservação foi aquele chamado de piritização, que ocorreu no leito calmo de um lago com baixo teor de oxigênio. A piritização preserva muito bem partes mínimas dos organismos, até o nível das células. Já nas rochas mais escuras (cinzas), o processo foi o de querogenização, que preserva estruturas mais macroscópicas, como, por exemplo, pele. “Esse modelo de gradiente entre piritização e querogenização havia sido proposto apenas para o sítio chinês. Agora, o modelo deixa de ser local e restrito no tempo, e passa a poder explicar qualquer ocorrência simultânea desses dois processos”, ressalta Mírian Pacheco. “Conhecer os processos pelos quais os organismos foram fossilizados é fundamental para a Paleobiologia, que estuda a história e a evolução da vida na Terra por meio do registro fóssil. Quanto mais informações nós tivermos, com mais fidelidade conseguiremos reconstituir ambientes que não existem mais, identificar semelhanças e diferenças com os ambientes atuais, reconstituir a biosfera do passado e, também, estabelecer modelos preditivos de, por exemplo, episódios futuros de extinção em massa”, explica a pesquisadora.

Além de Osés e Pacheco, o artigo publicado na Scientific Reports é assinado por 10 pesquisadores, de nove outras instituições, indicando a grande quantidade e a diversidade de análises que precisaram ser realizadas para a obtenção dos resultados apresentados. Dentre essas instituições, Pacheco destaca o apoio oferecido em instalações do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), do Instituto de Física da USP (IFUSP) e do Laboratório de Plasmas Tecnológicos (LaPTec) da Universidade Estadual Paulista (Unesp, Campus Experimental de Sorocaba).

 

Continuidade

Mas o trabalho de Gabriel Osés e Mírian Pacheco não terminou com a publicação do artigo. No doutorado, Osés está realizando o mesmo tipo de análise em fósseis de um outro organismo extremamente relevante para a história da vida na Terra: a Corumbella werneri, que, junto com a Cloudina, é um dos primeiros organismos a contar com esqueletos duros na história da vida na Terra. Em seu doutorado, Pacheco já havia estudado a Corumbella, tentando definir mais precisamente que tipo de animal ela é e, agora, Osés buscará entender melhor o ambiente em que ela viveu, há mais de 500 milhões de anos, a partir de fósseis descobertos em Corumbá, no Mato Grosso do Sul. “O fóssil não é algo isolado da rocha. Se temos os dados da rocha, temos os dados do ambiente em que aquele animal viveu, e isto interfere diretamente em sua biologia”, explica Pacheco. “O estudo desses animais, da Corumbella e da Cloudina, é de extrema relevância, pois é no período em que elas viveram que temos as primeiras relações ecológicas – por exemplo, de predação -; foi ali que o Planeta começou a moldar as formas de vida mais parecidas com as que a gente tem hoje. Desde então, mudaram os atores, mas a peça continua sendo a mesma”, complementa ela.

Um outro orientando de Pacheco, o doutorando Bruno Becker-Kerber, também está buscando responder questões semelhantes – ou seja, quais foram os processos de fossilização -, mas tendo como objeto fósseis de um outro período – o Devoniano, há cerca de 400 milhões de anos – encontrados na Bacia do Paraná que aflora no Estado do Mato Grosso do Sul (além do Paraná e de MS, a Bacia também está presente em São Paulo). “A biota do Devoniano é a mais estudada no Brasil, já que o registro fóssil, especialmente no Sudeste, é muito bom. Por isso, nós resolvemos fazer essas questões um pouco diferentes”, conclui Pacheco. A pesquisa de Becker-Kerber também já resultou, recentemente, na publicação de um artigo, na revista Palaios (http://palaios.sepmonline.org/content/32/4/238.abstract).